quarta-feira, 27 de julho de 2011

CARTA DE CRISTOVÃO COLOMBO ANUNCIANDO A DESCOBBERTA DO NOVO MUNDO

14 de fevereiro de 1493 
A Luis de Santágel

Eu vos escrevo, Senhor, sabendo do grande prazer que tereis ao tomar conhecimento de que Nosso Senhor deu um resultado triunfal à minha viagem. Sabei, portanto, que, em trinta e três dias cheguei às Índias com a armada que me deram meus ilustres senhores, o rei e a rainha. Achei aí numerosas ilhas das quais tomei possessão em nome de Suas Altezas por proclamação fazendo desfraldar o estandarte real e não encontrei nenhuma oposição. A primeira ilha que descobri, eu a chamei de San Salvador em honra a Divina Majestade que me deu tudo isso por milagre; os indígenas a chamam Guanahani. À segunda, dei o nome de Santa‑Maria‑de‑la‑Concepción; à terceira, Fernandina; à quarta, Isabela; à quinta, Juana (Cuba). (...) Desde o cabo que termina avista‑se a oeste uma ilha distante de dezoito léguas. Dei‑lhe o nome de Espanhola (Haiti:); lá fui ter e segui a costa norte, indo rumo ao leste durante 178 grandes léguas em linha reta para o Oriente. Tanto a Juana quanta essa ilha e todas outras ilhas são bastante férteis. A Juana o é particularmente; suas costas são recortadas por uma certa quantidade de portos, muito superiores aos que conheço na cristandade. Existe uma multidão de rios de águas potáveis e abundantes; as terras aí são muito altas, com muitas montanhas altíssimas, mais altas que as da Ilha Tenerife. Essas ilhas são mui belas, de contornos variados, bastante penetráveis, recobertas de mil tipos de arvores majestosas que parecem tocar o céu. Creio mesmo que jamais perdem as folhas, pois eu as vi tão verdes e bonitas quanto estão as árvores no mês de maio na Espanha. Algumas são cobertas de flores, outras carregam frutos cada uma segundo sua espécie. O rouxinol e outras pássaros cantavam de mil maneiras quando percorri essas regiões em novembro. Há palmeiras de sete ou oito espécies, todas de grande beleza. (...) Essas terras contém minas de metal e são habitadas por inúmeras gentes (...). As gentes (da Ilha Espanhola) e de todas as ilhas que vi vivem todas nuas, tanto os homens quanto as mulheres, tal como suas mães os puseram no mundo. Não têm ferro nem aço, armas não conhecem. São bem feitos e de boa estatura, mas extraordinariamente medrosos.
Não possuem outras armas senão as que fazem de juncos novos, colocando na extremidade uma vareta talhada em ponta, mas ainda não ousam servir‑se dela. Muitas vezes acontecia‑me enviar à terra dois ou três homens rumo a um vilarejo para estabelecer contatos; ainda que em grande número os índios imediatamente punham-se a fugir num salve‑se‑quem‑puder. Não que lhes tivesse sido feito algum mal: pelo contrário, em todo lugar onde pude estabelecer contatos, distribui‑lhes tudo o que podia, panos e muitos outros objetos, sem nada aceitar em troca: mas eles são irremediavelmente medrosos. É verdade que desde que se tranqüilizam e que o terror os abandone mostram‑se de uma simplicidade e de uma generosidade que não se pode crer sem tê‑la visto. Qualquer­ coisa que se lhes pergunta jamais recusam‑na; ao contrário encorajam os pedidos e manifestam tanta amizade que parecem dar os próprios corações. E com tudo o que se lhes dá em troca – coisa de valor ou de pouco preço – ficam contentes. (...) Não têm nenhuma idolatria; crêem apenas que o poder e o bem residem no céu; e acreditaram que eu e meus homens viéssemos do céu com nossas naus. Em todo lugar em que atraco, recebem‑me com respeito devido a um ser divino, desde que o temor os deixe. E, entretanto, têm espírito bastante vivo, percorrendo todos esses mares e sabendo, à maravilha, dar conta de tudo o que observam; contudo jamais viram homens vestido ou embarcações semelhantes à nossa.
Assim que cheguei às Índias, na primeira ilha que descobri, apoderei‑me, à força, de algumas dessas criaturas e levei‑as comigo a fim de ouvir tudo o que havia nessas regiões: de pronto nos compreendemos uns aos outros por meio de mímicas, tanto com palavras quanto com gestos, e elas nos prestaram bastante serviços. Ainda hoje os que trago comigo estão convencidos de que venho do céu, mesmo tendo vivido tanto tempo junto a mim. Foram os primeiros a anunciar a nova terra por todo o lugar onde eu chegasse; os outros punham‑se a correr de cabana em cabana e nos vilarejos circunvizinhos a gritavam: "Venham ver os habitantes do céu". E todos corriam assim que estivessem tranqüilizados, homens, mulheres, a até os mais pequeninos, cada qual trazendo alguma coisa para comer e para beber oferecendo‑nas com maravilhosas mostras de afeto.
Possuem muitas pirogas semelhantes às nossas fustas a remo; grandes, pequenas (...); mas uma fusta não resistiria à comparação na corrida, pois essas pirogas vão a uma velocidade incrível e essas gentes percorrem assim todas as ilhas, que são inumeráveis, e transportam suas mercadorias.
Em todas essas ilhas não verifiquei nenhuma diversidade nos costumes, no aspecto das pessoas, nem na língua. Todos se compreendem, coisa deveras notabilíssima que, espero, incitará Suas Altezas a empreender a conversão delas à nossa Santa fé em relação a qual parecem muito bem dispostos (....).
(...) Nesta Ilha Espanhola, em lugar mui conveniente, o melhor para o acesso às minas de ouro e para o tráfego, tanto aquém como além, rumo à terra firme de Grande Khan (Ásia Oriental), fundei uma grande cidade à qual dei o nome de Navidad e instalei aí uma fortaleza; deixei nela homens em número conveniente com armas, artilharia, provisões para mais de um ano; conservaram uma choupana e têm, entre eles, um construtor de navios apto a todos os misteres. Encontram‑se em grande amizade com o rei desse país que tinha por honra chamar‑me por irmão a tratar‑me como um irmão (...) Em todas essas ilhas parece‑me que os homens se contentam com uma só mulher, mas aquele que os governa, ou rei, possui quase que vinte. As mulheres trabalham mais que os homens, parece‑me. Não pude saber se possuem bens próprios, mas pareceu‑me ter visto que o que um possui todos têm parte nele, especialmente no que concerne à alimentação. Não encontrei homens monstruosos, como muitos presumiam dantes.
São, ao contrário, pessoas de belíssima estatura; não são negros como na Guiné a usam os cabelos pendentes e não habitam onde os raios de sol fazem calor excessivo; o sol, a bem dizer, tem aí grande força, pois essas ilhas estão a 260º de latitude norte (...). Numa ilha que é a segunda quando se chega às Índias, habitam homens que são tidos por mui ferozes e que comem carne humana. Possuem muitas pirogas nas quais percorrem todos os mares da Índia, furtando e tomando tudo o que podem. Não são mais disformes que os outros, mas usam cabelos compridos como mulheres, servem‑se de arcos e de flechas de caniço cuja extremidade é feita com madeira pontuda, à guisa de ferro, metal que não possuem. São considerados ferozes pelos outros povos que são de uma preguiça infinita. E eles se unem a algumas mulheres que habitam, sozinhas, uma ilha chamada Matenin (Martinica). Essas mulheres não se entregam a nenhuma ocupação própria a seu sexo; sevem-se de arcos e flechas e protegem‑se com lâminas de cobre, metal que possuem em abundância.
Asseguram‑me de que existe uma ilha maior que a ilha espanhola, cujos habitantes não têm cabelo e que abunda em ouro acima de todas as outras. Em todas essas ilhas que descobri, fui informado pelo que disseram os índios que levo comigo como testemunhas. Para concluir e falar somente do que foi feito nessa viagem, posso assegurar a Suas Altezas de que dar‑lhes‑ei tanto ouro quanto ser‑lhes-á necessário, se me prestarem uma pequena ajuda, assim como especiarias, algodão, tanto quanto desejarem, e tanta goma quanto pedirem que eu carregue – daquela goma que somente se encontra na Grécia e na Ilha de Quios e que a Senhoria (Veneza) vende pelos preço que quer, acontecendo o mesmo com a madeira de aloé, tanto quanto se quiserem; igualmente os escravos que poderão capturar entre os idólatras. Creio ter achado ruibarbo, canela; quanto aos outros gêneros preciosos, as pessoas que lá deixei encontra‑los-ão pois só me detive na medida em que o vento permitia, salvo nesta cidade de Navidad, onde demorei o tempo necessário para bem provê‑la de toda segurança. A bem verdade, teria explorado muito mais se tivesse navios que se prestassem melhor a isso.
Tudo isso é certo. Deus nosso Senhor deu‑me a vitória como a todos aqueles que seguem seus caminhos nessa empresa que parecia impossível. Mesmo que outros tivessem falado dessas terras, foi sempre por conjecturas, sem tê‑las visto de modo que a maior parte dos que ouviram falar desse assunto tomavam‑no por fábula. Assim, pois, nosso Redentor fez triunfar nossos ilustres rei e rainha e seus reinos famosos com o que toda cristandade deve estar em júbilo, prodigalizar festas e render graças solenemente à Santíssima Trindade em consideração ao crescimento que o afluxo de tantos povos valerá à nossa fé; e também em razão dos bens que resultarão daí, não somente em favor da Espanha mas de todos os cristãos, o que ocorrerá em pouco tempo.
Escrito da caravela, ao largo das Ilhas Canárias (sic por Açores) 15 de fevereiro de 1493.
Após ter escrito tudo isso, caiu sobre mim um tal vento do sul e do sudeste que tive de navegar sem vela e correr ao porto de Lisboa onde agora me encontro, o que foi a coisa mais surpreendente; e daqui escrevo a Suas Altezas... Aqui todos marinheiros dizem que jamais viram tão intenso inverno nem navios perdidos.
Fonte: MAHN‑LOT, Marianne. A descoberta da América. São Paulo: Edições Perspectiva, 1984.

Nenhum comentário:

Postar um comentário