Escolas que podemos invejar
Tradução Viomundo
[Resenha do livro Lições
Finlandesas: O que o mundo pode aprender com as mudanças educacionais na
Finlândia?, de Pasi Sahlberg,
Teachers College Press, 167 páginas, U$34.95]
Em anos recentes autoridades eleitas
e formuladores de políticas públicas como o ex-presidente George W. Bush, o
ex-chanceler educacional de Nova York, Joel Klein; a ex-chanceler educacional
de Washington DC, Michelle Rhee e a secretária de Educação [equivale ao
ministro, nos Estados Unidos] Arne Duncan concordaram que não deve haver
“desculpas” para a existência de escolas com notas baixas em testes de múltipla
escolha. Os reformistas do “sem desculpas” acreditam que todas as crianças
podem atingir determinada proficiência acadêmica independentemente de pobreza,
problemas de aprendizagem ou outras condições, e que alguém deve ser
responsabilizado se os alunos não conseguirem. Este alguém é invariavelmente o
professor.
[Nota do Viomundo: Na lista acima podemos incluir um sem
número de 'especialistas' e políticos brasileiros que bebem na matriz
neoconservadora]
Nada é dito sobre cobrar
responsabilidade dos líderes municipais ou de autoridades eleitas que decidem
questões cruciais como financiamento, tamanho da classe e distribuição de
recursos. Os reformistas dizem que nossa economia corre risco, não por causa da
crescente pobreza ou desigualdade de renda ou da exportação de empregos, mas
por causa de professores ruins. Estes professores ruins devem ser identificados
e jogados fora. Qualquer lei, regulamentação ou contrato que proteja estes
malfeitores pedagógicos precisa ser eliminada para que eles sejam rapidamente removidos
sem considerar experiência, senioridade ou processo legal.
A crença de que as escolas, em si,
podem superar os efeitos da pobreza teve origem décadas atrás, mas sua mais
recente manifestação está num livro curto, publicado em 2000 pela conservadora
Fundação Heritage, de Washington DC, intitulado Sem Desculpas [No Excuses]. No
livro, Samuel Casey Carter identificou vinte e uma escolas em regiões de alto
índice de pobreza com bons resultados nos testes. Na última década, figuras
influentes na vida pública decretaram que a reforma escolar é chave para sanar
a pobreza. Bill Gates declarou à National Urban League, “vamos acabar com o
mito de que podemos acabar com a pobreza antes de melhorar a educação. Eu diria
que é ao contrário: melhorar a educação é a melhor forma de resolver a
pobreza”. Gates nunca explicou porque uma sociedade rica e poderosa como a
nossa não pode enfrentar a pobreza e a melhoria da educação ao mesmo tempo.
Por um período, a Fundação Gates
imaginou que escolas menores eram a resposta, mas Gates agora acredita que a
avaliação dos professores é o ingrediente primário da reforma escolar. A
Fundação Gates dá centenas de milhões de dólares a distritos escolares para
desenvolver novos métodos de avaliação. Em 2009, a principal reformista,
secretária da Educação Arne Duncan, lançou um programa competitivo de U$ 4,35
bilhões chamado Corrida ao Topo, que exige que os estados avaliem os
professores baseados nos resultados de testes e que removam os limites
existentes sobre as escolas charter gerenciadas privadamente [escolas que
recebem financiamento público e privado, mas que não se submetem a todas as
regras impostas pelo estado; em vez disso, se comprometem a atingir
determinados parâmetros definidos numa declaração de princípios, o charter].
O principal mecanismo da reforma
escolar de hoje é identificar professores capazes de melhorar os resultados dos
testes dos alunos ano após ano. Se os resultados melhorarem, dizem os
reformistas, então os estudantes vão seguir na escola até a faculdade e a
pobreza eventualmente vai desaparecer. Isso vai acontecer, acreditam os
reformistas, se houver um “grande professor” em toda classe e se um número
maior de escolas for entregue a gerentes privados, ou mesmo a corporações com
fins lucrativos.
Os reformistas não se importam se os
testes padronizados são vulneráveis a erros de medição, de amostragem ou outros
erros estatísticos. Eles não parecem se importar se especialistas como Robert
L. Linn da Universidade do Colorado, Linda Darling-Hammond de Stanford e Helen
F. Ladd de Duke, assim como a comissão formada pelo National Research Council,
já alertaram sobre o mau uso dos testes-padrão como forma de dar recompensas ou
sanções a professores, individualmente. Nem enxergam o absurdo de avaliar a
qualidade de cada professor a partir de testes de múltipla escolha a que
estudantes são submetidos uma vez por ano.
Os testes podem revelar informações
úteis, mostrando a alunos e professores o que está sendo ou não aprendido; os
resultados podem ser utilizados para diagnosticar problemas de aprendizagem.
Mas coisas ruins acontecem quando o resultado de testes passa a ter grande
consequência para estudantes, professores e escolas, como a redução do
currículo para incluir só o que é testável ou cola ou diminuir o padrão de
ensino para inflar os resultados. Em resposta à pressão federal e estadual para
melhorar o resultado dos testes, distritos escolares de todo o país têm
reduzido o tempo para o ensino de artes, educação física, História, civismo e
outras matérias não-testáveis. Isso não vai melhorar a qualidade da educação e
com certeza vai prejudicá-la.
Nenhuma nação do mundo eliminou a
pobreza demitindo professores ou entregando escolas a gerentes privados; não há
estudos que apoiem qualquer destas estratégias. Mas estes fatos inconvenientes
não reduzem o zelo dos reformistas. A nova turma de reformistas da educação é
formada principalmente por gerentes de fundos hedge de Wall Street, integrantes
de fundações, executivos de corporações, empreendedores e formuladores de políticas
públicas, mas poucos educadores experientes. A desconexão dos reformistas do
dia-a-dia da educação e a indiferença em relação a estudos acadêmicos sobre o
assunto permitem aos reformistas ignorar a importância das famílias e da
pobreza na educação.
As escolas podem fazer milagres, os
reformistas dizem, ao se basear em competição, desregulamentação e
gerenciamento pelos números — estratégias similares às que produziram o crash
econômico de 2008. Em vista da queda dos reformistas por estas estratégias, os
educadores tendem a chamá-los de “reformistas corporativos”, para distinguí-los
daqueles que entendem as complexidades da melhoria do sistema de ensino.
A bem financiada campanha de relações
públicas dos reformistas corporativos foi bem sucedida ao persuadir autoridades
eleitas e o público norte-americano de que a educação pública precisa de uma
terapia de choque. Uma pessoa tende a se esquecer de que os Estados Unidos têm
a maior e uma das mais bem sucedidas economias do mundo e que parte deste sucesso
pode ser atribuído a instituições que educaram 90% das pessoas desta nação.
Diante de uma incansável campanha
contra os professores e a educação pública, os educadores têm buscado uma
narrativa diferente, livre da estigmatização dos resultados de testes de
múltipla escolha e das punições previstas pelos reformistas corporativos.
Encontraram isso na Finlândia. Mesmo os reformistas corporativos admiram a
Finlândia, aparentemente não reconhecendo que a Finlândia desprova todas as
suas diretrizes.
Não é estranho os Estados Unidos
usarem outra nação como modelo para a reforma da educação. Na metade do século
19, os líderes da educação dos Estados Unidos elogiavam o sistema prussiano por
seu profissionalismo e estrutura. Nos anos 60, os norte-americanos correram
para o Reino Unido para se maravilhar com as escolas progressistas. Nos anos 80
os norte-americanos atribuiram o sucesso econômico do Japão ao sistema
educacional do país. Agora a nação mais favorecida é a Finlândia e por quatro
boas razões.
Primeiro, a Finlândia tem o sistema
com melhor performance do mundo, medida pelo Programme for International
Student Assessment (PISA), que avalia leitura, conhecimento matemático e
científico para estudantes de 15 anos de idade da Organização para Cooperação
Econômica e Desenvolvimento (OECD), inclusive os Estados Unidos. Contrariamente
a nossos testes, não há consequências práticas nos testes aplicados pelo PISA.
Nenhum indivíduo ou escola fica sabendo de seus resultados. Ninguém é
recompensado ou punido por causa dos resultados dos testes. Ninguém se prepara
para os testes, nem existe incentivo para distorcer o resultado.
Segundo, de uma perspectiva
norte-americana, a Finlândia é um universo alternativo. Rejeita todas as
“reformas” atualmente populares nos Estados Unidos, como a aplicação de testes,
escolas charter, pagamento dos professores por mérito, competição ou avaliação
dos professores baseada nos resultados de testes aplicados a estudantes.
Terceiro, entre as nações da OECD, as
escolas finlandesas têm a menor variação em qualidade, significando que chegam
perto de atingir uma oportunidade educacional igualitária — um ideal
norte-americano.
Quarto, a Finlândia emprestou muitas
das ideias que valoriza dos Estados Unidos, como a igualdade de oportunidades
educacional, instrução individualizada, avaliação de portfolio e aprendizagem
cooperativa. Muitos destes empréstimos derivam do trabalho do filósofo John
Dewey.
Em Lições Finlandesas: O que o mundo
pode aprender com as mudanças educacionais na Finlândia?, Pasi Sahlberg explica como as
escolas do país se tornaram bem sucedidas. Autoridade de governo, pesquisador e
ex-professor de matemática e de Ciências, Sahlberg atribui a melhoria das
escolas finlandesas a decisões ousadas tomadas nos anos 60 e 70. A história da Finlândia
é importante, ele escreve, “porque traz esperança àqueles que estão perdendo a
fé na educação pública”.
Detratores dizem que a Finlândia tem
boa performance acadêmica porque é etnicamente homogênea, mas Sahlberg responde
que “o mesmo vale para o Japão, Xangai ou Coreia”, que são admiradas pelos
reformistas corporativos por sua ênfase nos testes de múltipla escolha. Para os
detratores que dizem que a Finlândia, com sua população de 5,5 milhões, é muito
pequena para servir de modelo, Sahlberg responde que “cerca de 30 estados dos
Estados Unidos têm uma população parecida ou menor que a da Finlândia”.
Sahlberg fala diretamente sobre a
sensação de crise educacional que existe nos Estados Unidos e em outras nações.
Os formuladores de políticas dos Estados Unidos procuram soluções baseadas no
mercado, propondo “competição mais dura, obtenção de mais dados, abolição dos
sindicatos de professores, criação de mais escolas charter ou adoção de modelos
de gerenciamento do mundo corporativo”.
Em contraste, a Finlândia gastou os
últimos quarenta anos desenvolvendo um sistema educacional diferente, focado em
melhorar a qualidade dos professores, limitar os testes a um mínimo necessário,
colocar responsabilidade e confiança antes de cobranças e entregar a liderança
das escolas e dos distritos escolares a profissionais da educação.
Para um observador norte-americano, o
fato mais marcante da educação finlandesa é que os estudantes não fazem
testes-padrão até o fim da escola secundária. Eles fazem exames, mas os exames
são desenvolvidos pelos próprios professores, não por uma corporação
multinacional de ensino. A escola básica finlandesa de nove anos é uma “zona
livre de testes-padrão”, onde as crianças são encorajadas a “saber, criar e
sustentar sua curiosidade natural”.
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PARTE, CLIQUE AQUI.
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