publicado em 14 de junho de 2012 às 23:48
por Luiz Carlos Azenha
Os argumentos políticos e
ideológicos são apenas pretexto para os que pretendem destruir a educação
pública e gratuita para todos: eles correm atrás é de lucro. A matriz é
estadunidense, mas o movimento é global e encontra forte apoio na mídia
corporativa, já que grandes empresas do ramo também oferecem “serviços
educacionais”. O lobby dos empresários do ramo conven$e à esquerda e à direita.
Culpar os professores pela falência sistêmica abre espaço para a venda dos
testes padronizados, das apostilas de apoio didático, de vagas e de outras
invencionices que rendem bilhões de dólares e reais.
Por isso traduzimos o artigo a seguir,
do New York Review of Books: é um mapa do que já está acontecendo
ou pode vir a acontecer no Brasil.
A deseducação de Mitt Romney
Em 23 de maio a campanha [do
pré-candidato republicano à Casa Branca Mitt] Romney divulgou o programa de
educação do candidato intitulado “Uma oportunidade para toda criança: o plano
de Mitt Romney para restaurar o futuro da educação estadunidense”. Se você
gostou das reformas educacionais do governo George W. Bush, você vai amar o
plano de Romney. Se você acha que entregar as escolas para o setor privado vai
resolver o problema, o plano vai deixá-lo entusiasmado.
Os temas centrais do plano Romney
são um requentado das ideias republicanas para a educação dos últimos trinta
anos, ou seja, subsidiar os pais que querem mandar suas crianças para escolas
privadas ou religiosas, encorajar o setor privado a operar escolas, colocar os
bancos privados no controle de programas de financiamento de bolsas de estudos,
cobrar de professores e escolas os resultados de exames obtidos por alunos e
reduzir as exigências para a admissão de novos professores.
Estas políticas refletem a
experiência dos assessores de Romney, dentre os quais há uma dúzia de
ex-integrantes do governo Bush e vários acadêmicos conservadores, entre eles o
ex-ministro da Educação Rod Paige, o ex-subsecretário de Educação Bill Hansen e
os militantes pelo direito de escolha dos pais, John Chubb e Paul Peterson.
Ao contrário de George W. Bush,
que negociou com um Congresso controlado pelos democratas para aprovar o
[programa de educação] “Nenhuma Criança Deixada para Trás”, Romney não faz
acordo com ninguém. Ele precisa provar à base do Partido Republicano —
especialmente a evangélica — que é realmente conservador. E este plano é o seu
“missão cumprida” [referência à anedótica "Missão Cumprida" de Bush,
que celebrou a vitória no Iraque antes da insurgência que
devastou o país].
Romney dá apoio total ao uso do
dinheiro do contribuinte para pagar bolsas de estudos em escolas privadas
[vouchers], às escolas gerenciadas pela iniciativa privada e às escolas online
que buscam lucro, além de qualquer outra alternativa às escolas públicas. Como
Bob Dole [candidato republicano] em 1996, Romney demonstra desprezo pelos
sindicatos de professores. Ele assume posição firme contra a certificação de
professores — as exigências mínimas de que futuros professores devem passar por
exames estaduais ou nacional para demonstrar seu conhecimento –, alegando se
tratar de uma barreira desnecessária. Ele acredita que o número de alunos por
sala de aula não importa (embora ele e os filhos dele tenham frequentado
escolas privadas de elite, onde as classes são pequenas). Romney alega que “escolha”
na educação é “o direito civil de nossa era”, um tema familiar entre os
reformistas da educação de hoje, que usam a ideia para fazer avançar suas
tentativas de privatizar a educação pública.
Quando se trata de universidades,
Romney ataca Obama pelo aumento nos custos da educação superior. Ele alega que
ajuda federal leva ao aumento das anuidades, por isso não pretende
dar financiamento aos estudantes endividados. O plano não menciona que as
anuidades aumentaram também em universidades públicas (onde estudam 3/4 de
todos os estudantes), já que os estados reduziram seus orçamentos para educação
superior e transferiram o peso de pagar dos contribuintes para os estudantes.
Romney pretende encorajar o
envolvimento do setor privado na educação superior ao dar a bancos privados o
papel de intermediários nos empréstimos federais para a educação, o que Obama
eliminou em 2010, por ser custoso. (Até 2010, os bancos recebiam subsídios do
governo federal para fazer empréstimos a estudantes, mas o governo assumia todos
os riscos da inadimplência. Quando o programa foi reformado pelo governo Obama,
bilhões de dólares em lucro dos bancos foram redirecionados para dar bolsas a
estudantes necessitados). Para cortar custos, Romney encoraja a proliferação de
universidades privadas online.
O plano de educação de Romney diz
que nenhum dinheiro novo será necessário, já que gastar mais com as
escolas não resolve os problemas da educação. No entanto, ele propõe o uso de
dinheiro público para promover suas prioridades, como bolsas em escolas
privadas, escolas gerenciadas privadamente e escolas online. Ele também quer
usar dinheiro federal para recompensar estados que “eliminarem ou reformarem a
estabilidade de emprego dos professores, com foco no avanço dos estudantes”.
Traduzido, isso significa que Romney se dispõe a dar dinheiro federal aos
estados que eliminarem os direitos dos professores e se eles pagarem mais aos
professores cujos estudantes tiverem resultados melhores em testes-padrão,
demitindo os professores cujos alunos não conseguirem isso.
Ao defender as bolsas — nas quais
o governo financia o pagamento das mensalidades em qualquer escola privada ou
religiosa escolhida pelos pais — Romney exagera os dados; algumas de suas
afirmações são simplesmente falsas. O plano de Romney diz que o programa de
bolsas do Distrito de Columbia [onde fica Washington, a capital dos Estados
Unidos], que começou em 2004, o primeiro a usar dinheiro federal para subsidiar
escolas privadas, é “um modelo para a nação”. Afirma que “depois de três meses,
os estudantes podiam ler em níveis que só seriam atingidos 19 meses depois por
alunos de escolas públicas”.
É simplesmente falso. Uma
avaliação do programa requisitada pelo Congresso descobriu que os estudantes
que receberam as bolsas não tiveram ganhos de leitura ou matemática. Como disse
o relatório final, “não há provas de que o OSP [Programa de Bolsas
Oportunidade] tenha afetado as conquistas dos estudantes”. Romney alega que 90%
dos estudantes que receberam bolsas em escolas privadas se formaram no ensino
médio, comparado com 55% nas escolas de baixo rendimento do Distrito de
Columbia. Mas é exagero. A avaliação federal disse que 82% dos que receberam
bolsas se formaram, contra 70% entre os estudantes que pediram bolsas mas não
conseguiram. É um ganho respeitável, mas nem de perto chega aos números citados
por Romney. Como estudantes que disputam as bolsas tendem a ser mais motivados
que os que não disputam, os cientistas sociais geralmente comparam o resultado
final entre os que conquistaram as bolsas e os que ficaram de fora.
Paradoxalmente, a campanha de
Romney assume crédito pelo fato de que [o estado de] Massachussets lidera a
nação nos testes federais de leitura e matemática conhecidos como National
Assessment of Educational Progress.
Mas Romney não foi o responsável
pelo sucesso acadêmico do estado, que se deve a reformas completamente
diferentes das que ele agora propõe para o país.
A reforma no estado se tornou lei
pelo menos uma década antes de Romney começar seu mandato de governador, em
2003.
O Ato de Reforma de Educação de
Massachusetts envolveu o compromisso do estado de dobrar o financiamento da
educação de 1,3 bilhão de dólares em 1993 para 2,6 bilhões em 2000; o
compromisso de financiamento mínimo para todo distrito escolar, de acordo com
suas necessidades básicas; o desenvolvimento de um forte currículo de Ciências,
Artes, Língua Estrangeira, Matemática e Inglês; a implementação de um programa
de testes baseado no currículo completo (por causa do custo, o estado testava
apenas para leitura e matemática); a expansão do desenvolvimento profissional
dos professores; e o teste de futuros professores. No fim dos anos 90, antes
que Romney assumisse o governo, o estado aumentou o financiamento para as
crianças em idade pré-escolar.
O plano de Romney, em contraste,
é animado pela reverência ao setor privado. Embora fale pouco sobre a melhoria
ou o investimento em educação pública, que é tratada como instituição falida,
um grande entusiasmo é dedicado à inovação e ao progresso que supostamente
ocorrem quando pais usam dinheiro público federal para colocar os filhos em
instituições privadas ou em escolas privadas online. Massachusetts conseguiu
sucesso ao melhorar o padrão de exigência para novos professores, não ao
reduzí-lo. Massachusetts não eliminou a estabilidade dos professores, ou
seja, o direito que os professores experientes têm de serem ouvidos antes da
demissão.
A educação superior, garante
Romney, vai florescer quando “inovação e novas aptidões” forem mais importantes
que “tempo em sala-de-aula”. Em português simples, a última sentença significa
que a educação superior se tornará mais acessível quando estudantes se
matricularem em escolas online, muitas das quais visam lucro e custam barato.
Naturalmente que as universidades online são mais baratas; não envolvem custos
de capital, bibliotecas, prédios e o pessoal é mínimo. Algumas estão sendo
investigadas por fraude nos métodos usados para recrutar alunos; elas evitam
regulamentação federal com um alto investimento (bipartidário) em lobby.
A primeira resposta do governo
Obama às propostas de Romney foi dizer que as políticas de Obama para o ensino
médio têm o apoio entusiástico de conservadores proeminentes como os
governadores republicanos Chris Christie de Nova Jersey e Susana Martinez do
Novo México. Infelizmente, é a verdade. Tirando a oferta de bolsas para escolas
privadas e a redução da certificação de professores, o programa “Corrida ao
Topo” de Obama promove virtualmente tudo o que Romney propõe — gerenciamento
privado, competição, avaliação de professores baseada nos resultados de testes
dos alunos. O ministro da Educação de Obama, Arne Duncan, tem defendido as
escolas gerenciadas privadamente e a cobrança a partir de resultados de testes
tanto quanto Mitt Romney. E, como Romney, Duncan despreza a ideia de que é
preciso reduzir o número de estudantes por professor.
A proposta de Romney de dar
bolsas em escolas privadas usando dinheiro federal é carne crua para a base
direitista do Partido Republicano, especialmente os evangélicos. As bolsas são
vendidas como o terceiro trilho da educação desde que foram propostas por
Milton Friedman, em 1955; foram colocadas sob votação em vários referendos
estaduais e foram rejeitadas consistentemente. De forma geral, o público não
quer ver dinheiro público usado para promover escolas religiosas. E várias
escolas religiosas não querem dinheiro público, que vem ligado a vários
exigências federais. Mas nos últimos anos as bolsas foram reanimadas por
legisladores estaduais de Indiana, Wisconsin e Louisiana, sem passar pelos
eleitores.
Os resultados não são nada
animadores. Em Louisiana, onde a reforma da educação do governador Bobby Jindal
foi aprovada em abril, a nova lei declara que os estudantes de escolas com
baixa performance nos testes-padrão podem transferir o dinheiro do
financiamento público que recebem para qualquer escola privada ou religiosa
pré-aprovada. Cerca de 400 mil estudantes (mais da metade do total) podem
competir, mas há apenas 5 mil vagas nas escolas privadas ou paroquiais do estado.
Quando o estado divulgou a lista de escolas, a que se propôs a receber o maior
número de estudantes bolsistas foi a New Living Word School, que ofereceu 315
vagas. Hoje ela tem um total de 122 vagas, mas não dispõe de instalações ou
professores para os futuros estudantes, embora prometa construir um novo prédio
antes do início do ano escolar. A maior parte das aulas na escola é dada
através de DVDs.
Outra escola, a Academia da
Eternidade Cristã, que atualmente tem 14 estudantes, concordou em receber 135
bolsistas. De acordo com um artigo recente da agência de notícias Reuters, os
estudantes da escola ficam a maior parte do dia sentados em cubículos e
trabalham com livros didáticos cristãos, um deles, de Ciência para iniciantes,
com um texto que explica “as coisas que Deus fez” em cada um dos seis dias de
criação. As crianças não aprendem sobre a teoria da evolução.
O pastor-diretor explicou:
“Tentamos ficar longe de todas as coisas que confundem nossas crianças”. Outras
escolas aprovadas para receber estudantes bolsistas, pagas com dinheiro
público, “usam textos de estudos sociais que advertem contra liberais que
ameaçam a prosperidade global [por acreditarem na teoria do aquecimento
global]; livros de matemática baseados na Bíblia que não tratam de conceitos
modernos; e textos de biologia construídos em torno de negar a teoria da
evolução”.
O repórter da Reuters descreveu a
lei de Louisiana como “o mais ousado experimento nacional para privatizar a
educação pública, com o estado preparado para transferir milhões de dólares em
dinheiro do contribuinte para pagar à indústria privada, empresários e pastores
para educar crianças”. No ano que vem, todos os estudantes de Louisiana poderão
disputar bolsas para fazer cursos com empresas privadas ou corporações que ofereçam
ensino ou treinamento. Podem esperar por um boom nos negócios da educação no
estado.
O que o governador Jindal está
fazendo soa como uma ensaio do plano Romney. Sem dinheiro novo no orçamento,
todo o dinheiro para bolsas e empresas privadas e escolas online será deduzido
do orçamento estadual das escolas públicas. O governador Jindal e Mitt Romney
deveriam explicar como a educação vai melhorar nos Estados Unidos se o dinheiro
público for usado para mandar estudantes para escolas sectárias ou pagando
cursos em empresas privadas ou online. Pela visão apresentada por Romney,
dinheiro público vai ser usado em escolas que ensinam criacionismo. Qualquer um
poderá ensinar, sem passar por testes de conhecimento e habilidade e sem
preparo profissional. Professores poderão ser demitidos por qualquer razão, sem
a proteção garantida pela liberdade para ensinar. Em alguns estados ou regiões,
professores vão temer dar aulas sobre a teoria da evolução, o aquecimento
global ou questões controversas. Nem vão ousar ensinar sobre livros
considerados ofensivos por qualquer um na comunidade, como Huckleberry Finn.
O candidato Romney deveria
explicar como a privatização da forma como educamos nossas crianças vai nos
fazer atingir o objetivo de “restaurar a promessa da educação norte-americana”.
“Restaurar” sugere uma volta ao passado. Quando na história dos Estados Unidos
as escolas foram colocadas a serviço do lucro? Que estado permitiu isso antes
do advento das escolas gerenciadas privadamente e das corporações da educação
online? Qual dos fundadores do país foi contra a educação pública? John Adams,
aquele encardido conservador, disse: “Todo o povo deve assumir a educação de
todo o povo e deve arcar com os custos disso. Não deve existir um só distrito
de um quilômetro quadrado sem uma escola, não financiada pela caridade
individual, mas mantida às expensas de todos”.
Restaurar a promessa da educação
norte-americana deveria significar o rejuvenescimento das escolas públicas, não
a destruição delas.
Fonte: Vi o Mundo
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