Diane Ravitch
*Por Grazieli Gotardo
Diane
Ravitch é professora pesquisadora de História da Educação na Universidade de
Nova Iorque, nos Estados Unidos. Seu nome, no entanto, é bem mais conhecido no
meio político educacional norte-americano. Ela foi secretária- adjunta de
Educação e conselheira do secretário de Educação (Lamar Alexander) na
administração do ex-presidente George W. Bush, entre 1991 e1993, além de
coordenadora do National Assessment Governing Board, instituto responsável
pelos testes federais, na Administração de Bill Clinton, de 1997 a 2004. Foi
Diane quem ajudou a implementar os programas educacionais de governo No Child Left Behind e Accountability,
que tinham como proposta usar práticas corporativas, baseadas em metas, testes
padronizados, responsabilização do professor pelo desempenho do aluno e
fechamento de escolas mal-avaliadas, para melhorar a educação nos EUA. Porém,
20 anos depois, Diane mudou de ideia. De uma das principais defensoras da
reforma educacional americana, passou à crítica. Publicou em 2010 o livro The
Death and Life of the Great American School System (a morte e a vida do grande
sistema escolar americano), ainda sem versão em português, em que diz que o
sistema em vigor nos EUA está formando apenas alunos treinados para fazer uma
avaliação. Desde o lançamento do livro, Diane vem sendo aclamada por professores
e tem concedido inúmeras entrevistas para explicar sua mudança de opinião. De
Nova Iorque, a professora conversou com o Extra Classe.
Nesta entrevista, faz uma avaliação do que julga que está certo e errado na
educação norte-americana e nos sistemas de avaliação.
Extra Classe – Por que a senhora mudou de ideia sobre a reforma educacional americana?
Diane Ravitch – Por volta de 2006 percebi que o programa No Child Left Behind estava falhando. Que o programa não estava funcionado e que não era a única opção. Eu estava sendo levada por pesquisas e números conservadores que patrocinavam as Escolas Charter, que deveriam ser melhores que as escolas públicas regulares, mas todas as escolas patrocinadas pelos empresários estavam em situação de emergência acadêmica, o que significava que estavam piores.
EC
– Quais
são (ou foram) os pontos fracos dos programas de governo para melhorar a
educação nos EUA?
Diane – Eles
concentram demais os objetivos da educação nos resultados e distorções dos
testes, o que faz com que as escolas reduzam o tempo para o ensino de Artes,
Educação Física, História etc. Além disso, os testes em excesso incentivam as
fraudes.
EC – Por que o sistema de testes para avaliação dos parâmetros escolares não funciona? Qual o papel das avaliações na educação?
EC – Por que o sistema de testes para avaliação dos parâmetros escolares não funciona? Qual o papel das avaliações na educação?
Diane – As
avaliações devem ser usadas para diagnosticar problemas e para ajudar os alunos
e professores. Eles não devem ser utilizados como incentivo ou como termômetro
para grandes desafios que podem gerar prêmios ou demissões.
EC
– Como
a senhora avalia o governo Obama em relação às políticas para educação?
Diane – Não está melhor que na época do NCLB, na verdade, está pior. O NCLB responsabiliza as escolas pela pontuação. Obama mantém a política de responsabilização dos professores. Se os índices não sobem, por qualquer razão, o professor é julgado como ineficaz e demitido.
Diane – Não está melhor que na época do NCLB, na verdade, está pior. O NCLB responsabiliza as escolas pela pontuação. Obama mantém a política de responsabilização dos professores. Se os índices não sobem, por qualquer razão, o professor é julgado como ineficaz e demitido.
EC
– Qual
a melhor forma de avaliar alunos e professores? Por quê?
Diane – A avaliação dos professores deve ser feita por educadores experientes e não por resultados de testes. Os testes medem o desempenho dos estudantes e não a qualidade dos professores. As pesquisas que comprovam isso são claras. Mas pesquisa e política não são a mesma coisa.
Diane – A avaliação dos professores deve ser feita por educadores experientes e não por resultados de testes. Os testes medem o desempenho dos estudantes e não a qualidade dos professores. As pesquisas que comprovam isso são claras. Mas pesquisa e política não são a mesma coisa.
EC
– O
modelo americano de educação tem servido de exemplo para outros países,
inclusive no Brasil. Quais os riscos dessa transferência de modelo para
culturas diferentes?
Diane – Sim,
os Estados Unidos estão agora sujeitos a duas tendências que ameaçam o futuro
da educação pública: a privatização e a desprofissionalização. A administração
Obama encoraja ambos, apoiando as Escolas Charter com a gestão privada e um
grupo chamado “Teach for
America”, cujos membros se tornam professores com apenas cinco
semanas de treinamento.
EC – Em nosso
país existe uma tendência em aumentar o tempo dos alunos na escola e também a
quantidade de matérias oferecidas. Como senhora vê isso?
Diane – Ampliar o tempo do aluno na escola não é
necessariamente uma melhoria. O que importa é como esse tempo será usado. Os
alunos precisam explorar artes, atividades físicas, usar ativamente a
imaginação e o poder criativo.
EC –
No Brasil os alunos entram na Universidade por meio de testes prestados ao fim
do Ensino Médio. Seria esta a melhor forma de seleção?
Diane – Não há nada de errado com os testes, se os alunos
estiverem preparados para a faculdade. O governo deve fornecer diferentes
maneiras para os jovens seguirem os estudos após o Ensino Médio para aumentar
seus conhecimentos e habilidades, inclusive para a formação técnica.
‘‘O NCLB responsabiliza as escolas pela pontuação. Obama mantém a política de responsabilização dos professores. Se os índices não sobem por qualquer razão, o professor é julgado como ineficaz e demitido’’ |
As Escolas Charter nos EUA
A experiência das Escolas Charter nos Estados Unidos começou em 1991 com o objetivo de melhorar a educação no país. São escolas públicas (porque recebem verbas e os alunos não pagam mensalidades), mas com gestão independente e privada, geralmente feitas por ONGs, e que devem apresentar projeto pedagógico. Elas têm liberdade na elaboração de currículo e contratação de professores, mas são fiscalizadas pelos testes do governo em relação ao desempenho dos alunos. Ao longo dos anos, no entanto, os testes de avaliação do governo americano começaram a mostrar que os alunos destas escolas não estavam aprendendo mais do que os das escolas públicas tradicionais. O desempenho deles começou a cair especialmente em leitura e matemática, como demonstraram os resultados do National Assessment of Education Progress (Naep), realizado em 2003. Atualmente, existem mais de 5 mil Escolas Charter nos EUA, especialmente nas grandes cidades. Segundo Diane, as últimas avaliações do governo demonstram grande disparidade na qualidade de ensino entre elas, sendo que algumas, para aumentar a pontuação nos testes, excluem alunos com notas baixas ou dificuldades de aprendizagem. |
EC – Qual a
diferença na gestão de uma instituição de ensino e de um negócio de outro
setor?
Diane – Um negócio visa lucro ou vai à falência. A educação
tem a ver com o desenvolvimento de pessoas, do potencial de pensar, agir e
viver bem.
EC – Qual a sua opinião
sobre a convivência dos setores públicos e privados de ensino?
Diane – Não vejo problemas, desde que setor privado não busque
financiamento público e nem tente privatizar o setor público.
EC – Qual sua opinião
sobre a mercantilização do Ensino Superior, que hoje é visto como um negócio
por grandes grupos econômicos?
Diane – Vejo como uma ideia muito ruim. Negócios devem
satisfazer os investidores. A Educação Superior deve ter fins não econômicos,
que só podem ser alcançados através da liberdade de ensinar e liberdade de
aprender, inclusive com a liberdade de criticar negócios e corporações.
EC – Quais são as bases
para uma educação sólida e de qualidade? Por quê?
Diane – Crença no valor de cada pessoa. Desejo de fazer a
diferença. Desejo de transmitir conhecimentos, habilidades e amor pelo
aprendizado.
EC – Qual
a relação entre o sistema educacional de um país e o seu futuro?
Diane – A educação é parte crucial da capacidade de uma nação
de desenvolver e crescer, não só economicamente, mas socialmente, culturalmente
e intelectualmente.
EC – No Brasil poucos
alunos optam por ser professores e poderá haver falta deles no futuro. O mesmo
ocorre nos EUA?
Diane – Os professores estão muito desmoralizados nos Estados
Unidos nos últimos dez anos e continuaram com a administração Obama. A
profissão docente está sendo atacada em muitos estados, onde os líderes estão
aprovando legislações punitivas para responsabilizar os professores caso a
pontuação dos testes nas escolas não seja boa. Alguns estados estão proibindo a
negociação coletiva entre os sindicatos para enfraquecê-los, eliminando
direitos e cortando benefícios. Muitos professores experientes estão desistindo
da carreira. É preciso muito comprometimento para ser um professor nos dias de
hoje.
EC – Como a senhora
avalia o volume de trabalho dos professores em tempos de internet?
Diane – A carga de trabalho continua muito elevada devido às
diversas necessidades dos alunos. Alguns estados estão impondo aulas on-line na esperança de reduzir o número de
professores.
EC – Quais as suas
expectativas com as eleições nos EUA deste ano? O que deveria ser feito para
que a educação americana corrija o rumo?
Diane – Nenhum candidato oferece muita esperança nesta
eleição. Talvez daqui a quatro anos seja diferente. Até lá, muitas escolas
públicas serão privatizadas e será difícil remontar a educação pública nos EUA.
Mas até lá, o setor público vai saber que o setor privado (as Escolas Charter,
nos EUA) não podem criar melhores escolas e que a causa dos baixos resultados
dos testes é a pobreza, e não mau desempenho dos professores.
ENTREVISTA – Jornal Extra-Classe – Ano 17 Nº 116 – Março de 2012 - Publicação do Sinpro/ RS – Consulta em 01.02.2013 -http://www.sinprors.org.br/extraclasse/mar12/entrevista.asp
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